Crianças com paralisia cerebral têm oportunidade única em Salvador. A cidade é pioneira na América Latina a oferecer acesso gratuito à adeliterapia, um dos mais eficientes tratamentos de reabilitação disponíveis.
Desde 2010, a adeliterapia ocorre no Núcleo de Atendimento à Criança com Paralisia Cerebral (NACPC), em Santo Agostinho, região das Sete Portas. O NACP é o único centro na América Latina a oferecer o tratamento.
A técnica consiste no uso de um traje especial, o adele suit, criado a partir de um equipamento utilizado por astronautas russos. Ela minimiza os efeitos da diminuição da gravidade no corpo.
Com o tempo, cientistas perceberam que o traje poderia ser adaptado para a reabilitação de pessoas com deficiência, em especial aquelas com paralisia cerebral.
Funcionamento - O adele suit é um sistema de ganchos e elásticos combinados a uma roupa especial. É formado por colete, joelheira, short, touca, cotoveleira, luvas e calçado adaptado.
Por conta da doença, a criança traz certos vícios neurológicos que alteram a postura e a movimentação do tronco e dos membros. O traje facilita o alinhamento biomecânico do corpo e traz o tronco para um posicionamento mais funcional.
"Existem elásticos de várias espessuras e adequamos de acordo com o paciente. A depender de onde sejam encaixados, promovem um estímulo para cada quadro", explica a médica, fundadora e coordenadora clínica do NACPC Daniela Matsuda.
Dessa forma, a roupa recondiciona o cérebro a enviar os estímulos certos ao corpo. O comportamento adequado passa a ser, aos poucos, automatizado como o normal.
Benefícios - O tratamento é dividido em módulos de 25 sessões, em cinco semanas. Cada sessão de duas horas inclui massoterapia, exercícios e, em média, 30 minutos com o traje. O tempo parece curto, mas produz resultados impressionantes já na primeira semana de tratamento.
"O grande trunfo é a questão do impacto. Uma criança que faz dois módulos consegue obter um resultado de reabilitação que levaria anos na fisioterapia comum", afirma o fundador e médico da clínica do NACPC, Pedro Guimarães.
O tratamento é ideal para pacientes que residem em outros municípios. "Um paciente de outra cidade pode vir, fazer seu módulo e voltar, atingindo um nível de reabilitação improvável na fisioterapia diária", assegura Guimarães.
Em termos de benefícios clínicos, o traje auxilia na resistência à fadiga, orientação no espaço, equilíbrio, tônus muscular e movimentação.
"Cada avanço já é um estímulo para as crianças que estão sempre acompanhadas pela família. Assim, mães e filhos se motivam e vibram a cada conquista", afirma a coordenadora do serviço de fisioterapia, Daniela Caribé.
Rafael Cruz, 18 anos, comprova na prática a eficiência da adeliterapia. Depois de dois módulos, ele já pode se locomover sozinho, com a ajuda de muletas, sem a necessidade de se apoiar nos braços da mãe, Ana Lúcia. "Ele melhorou muito a postura e hoje anda bem melhor", garante a mãe.
Viviane Menezes, relações-públicas da instituição, acompanha o desempenho de Rafael desde que ele passou a ser atendido pelo núcleo, há quatro anos.
"Quando Rafa passou a andar sozinho, começou também a ser mais desinibido, mais alegre. Ele está na adolescência, uma fase mais sensível, e essa conquista ajudou muito a aumentar sua autoestima", acrescenta.
Rafael, com muito bom humor, tem lá suas reclamações. "A roupa é quente", diz. Depois completa com um sorriso: "Mas eu me sinto melhor".
A utilização do traje adeli implica o acompanhamento de, no mínimo, dois fisioterapeutas e um médico. "É preciso avaliar cada caso individualmente e detalhadamente, porque há certas condições de saúde que podem tornar sua utilização prejudicial", assinala a fisioterapeuta Daniela Caribé.
Entretanto, a possibilidade de a criança fazer ou não a terapia vai depender da avaliação da equipe. "Pode ser que, quando estiver mais estável clinicamente, possa fazer o tratamento", afirma a médica Daniela Matsuda. Em dois anos, a adeliterapia já beneficiou 526 crianças e adolescentes atendidos nas dependências do NACPC.
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